Levando isso para a nossa reflexão, é fácil perceber que não interessam ao nosso sistema neoliberal questões antropológicas sérias como o respeito ao Outro na experiência da alteridade, a supremacia do humano sobre as coisas, a postura ética e seus valores, os direitos humanos. O que importa é comprar, consumir, possuir, ter: Bem-aventurado quem compra...
No campo da sexualidade as consequências são desastrosas. O Outro tornou-se algo a possuir, a ter, a ficar, a pegar e nunca amar. Algo que eu necessito como o ar que eu respiro, que quero e, portanto, devo ter para alcançar o meu prazer, satisfazer o meu desejo. Produto descartável, de uso imediato, êfemero e passageiro, de fácil reposição, impessoal _ qualquer um/a serve_ desde que me satisfaça e atenda o padrão de qualidade total.
Existe ainda outra face dessa realidade, não menos pertubadora e desafiante para os relacionamentos humanos, trazida pelo exuberante mundo da internet, que é o sexo virtual. Se por tanto tempo o discurso teológico cristão em relação à sexualidade defende a pessoa humana, sua inconfundível dignidade de ter sido criada à imagem do Criador, sua riqueza de ser um corpo/corporeidade, informado pelo espírito e se, portanto, defende o devido respeito à sua corporeidade, surge, em nossos dias, a ameaça de sua substituição pela máquina, de ser engolido pelo ciberespaço. O surgimento do computador e com ele todas as propostas inovadoras de comunicação cria comunidades virtuais, sala de bate-papos, de chat, redes de interação de lazer e trabalho, enfim abole espaços, vence fronteiras. Conectado a uma máquina o cibernauta abandona a prisão do corpo e entra num mundo de sensações digitais. O viajante da infosfesra não está mais preso a um corpo físico e se descobre um explorador de diferentes identidades: não importa o sexo, a idade, se está doente ou é deficiente. O corpo eletrônico atinge a perfeição. Está imune à doença, à morte e à deficiência física. A net tornou-se a carne e o sistema nervoso dos que não podem mais passar sem ela e que sentem apenas desdém por seu antigo corpo, ao qual, no entanto, sua pele permanece colada.
As comunidades virtuais criaram um universo em que a intimidade tornou-se mais forte que os laços familiares, possibilitando paixões avassaladoras entre dois usuários que jamais se viram. Sem rosto, corpo, sem identidade o sujeito não tem responsabilidade. Ele é o que pensa que é, quando está conectado a um universo em que os outros são jogadores assim como ele. O peso do corpo é eliminado, não importa a idade, a saúde, a conformação física; os internautas encontram-se em um plano de igualdade justamente pelo fato de o corpo ser colocado entre parênteses.
A sexualidade transforma-se em textualidade, dispensando o corpo; a excitação verbal é transmitida a todo corpo como se fosse um terminal de prazer. Homens fazem-se passar por mulheres, enquanto estas apresentam-se como homens cuja motivação é viver papéis proibidos na vida real e liberar suas fantasias sexuais. Nesta experiência sexual: O tátil converte-se em digital, o teclado substitui a pele, o mouse substitui a mão e o interativo suplanta o diálogo... A sexualidade sem corpo é sobretudo visual, representa a hipertrofia do olhar; o tato é estimulado por conversores, eventualmente, também é auditivo, a partir de sons registrados anteriormente ou de um programa que associe gestos e emissões sonoras; ele não é olfativo. Falta esta dimensão do corpo que acompanha intimamente o erotismo.
A sexualidade vivida no sexo virtual, sem corpo, tem sido defendida por um razoável número de simpatizantes, alegando ser mais seguro, sem medo de contaminação com o Outro, nestes tempos de Aids. Há também a vantagem do conforto da vida pessoal: não mais é necessário sair de casa, defrontar-se com os imprevistos da sedução, do encontro, do diálogo. Daqui para a frente, o corpo do Outro será um disquete, um arquivo ou disco rígido, um site na internet ou CD-rom interativo, e se brincar um pouco mais adiante... Um simples código de barra...
Segundo esta perspectiva, cai por terra todo o discurso teológico dos relatos da criação, cujo sonho Deus foi criar o ser humano e colocá-lo como centro da criação, fazendo-o à sua imagem e semelhança 9cf. Gn 1-2,4a), apresentando, em seguida, o caminho para a realização deste sonho que é a dinâmica das relações que o ser humano desenvolve no encontro consigo mesmo, com o mundo, com o Outro e com Deus (cf Gn 2,4b-25). (De um artigo de Maria Joaquina Fernandes de Brito no livro Ëspiritualidade Cristã em Tempos de Mudança - VOZES/2009).