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sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Um girassol, o trem da graça e as estações da vida!

Um trem corre veloz para o seu destino. Luzidio. Corta os campos como uma seta. Fura as montanhas. Passa os rios. Desliza como um fio em movimento. Sem obstáculos. Fagueiro. Perfeito, na forma, na cor, e na velocidade. Na verdade nada atrapalha a sua possível, devida e significante meta. Seus vagões parecem dançar numa espécie de lindo balé. No vagão restaurante encontram-se algumas mesas. É interessante percebermos que há mesas e pessoas sentadas nelas! Nos demais vagões, outras pessoas vivem seus sonhos.
Lá dentro se desenrola o drama humano. Gente de todas as gentes. homens e mulheres, velhos, jovens e crianças. Gente que conversa. Gente que cala. Gente que trabalha. Gente que deixou de trabalhar. Gente de negócios, preocupada. Gente que contempla a paisagem, serenada. Gente que cometeu crimes. Gente que gastou a vida servindo a outros. Gente que pensa mal de todo mundo. Gente que gasta tempo com fofocas. Gente solar que se alegra com o mínimo de luz em cada pessoa e circunstância. Gente que adora ou detesta viajar de trem. Gente que é contra o trem. Não deveria haver trens, dizem. Gente que pensa até furar as rodas do trem. Ferem a sacralidade das montanhas. Gente que planeja trens mais rápidos. Gente que errou de trem. Gente que não se questiona. Sabe que está no rumo certo. E sabe a que horas chega em sua cidade. Gente ansiosa que corre para os primeiros vagões no afã de chegar antes que os outros. Gente estressada que quer retardar o mais que pode a chegada e se coloca nos últimos vagões. E absurdamente gente que pretende fugir do trem, andando na direção oposta do trem, tentando até pular do trem.
E o trem impassível segue seu destino, traçado pelos trilhos. Despreocupadamente carrega a todos. Não carrega menos o criminoso que a pessoa de bem. E não deixa de carregar gentilmente também os seus contraditores. Aliás, não deixa niguém na mão. A ninguém se furta. Serve a todos e a todos propicia uma viagem que pode ser esplendorosa e feliz. E garante deixá-los na cidade inscrita em sua rota.
Neste trem, como na vida, todos viajam gratuitamente. Uma vez em movimento, não há como fugir, descer ou sair. Está entregue a lógica da linha do trem. A liberdade se realiza dentro do trem e na direção que tomou. Cada um pode ir para frente para trás. Pode querer mudar de vagão, viajar sentado ou em pé, deter-se longamente no vagão-restaurante, sentar-se à mesa ou fugir do controle, escondendo-se nos banheiros. Pode gozar da paisagem ou se aborrecer com os vizinhos de assento. Pode viajar rezando ou blasfemando a vida e seus dissabores. Nem por isso o trem deixa de correr para o seu destino infalível e carregar e todos cortesmente.
Há gente que decididamente acolhe o trem. Alegra-se com sua existência. Desfruta as paisagens. Faz amizades com companheiros de viagem. Lá onde está sentado, preocupa-se para que todos se sintam bem. E irrita-se quando vê maltratarem as poltronas e adverte os que escrevem grafitis nas paredes das cabines. Mas não perde o sentido da viagem nem por causa das querelas nem por causa do desfrute.
Como é maravilhoso que exista um trem e que nos leve tão depressa para casa, onde cada um é esperado com ansiedade, quando os braços serão longos e a alegria intensa e transbordante.
A graça de Deus _ a presença, a misericórdia, a bondade e o amor de Deus é assim como um trem. O destino da viagem é Deus. O caminho não é outra coisa que o destino se realizando metro a metro. O caminho só existe por causa do destino a ser alcançado. Quem precisa percorrer cem mil metros para chegar a sua cidade deve, antes de tudo, começar com o primeiro metro. Caso contrário não percorre os cem mil.
A Graça carrega a todos. dá-se a todos com chance de boa e excelente viagem. Também aos inconformados, aos intrigantes e aos inimigos do trem, dos homens e de Deus. Com a negação o trem não se modifica. Também não a graça de Deus. Só o ser humano se modifica. Estraga a sua viagem. Mas é carregado do mesmo jeito com igual gentileza. Deus, que é graça e misericórdia, faz como o sol e a chuva. Dar-se indistintamente a bons e a maus, a justos e a injustos porque, diz Jesus, Ele "ama os ingratos e maus".
Acolher o trem, se alegrar com sua direção, correr com ele, enturmar-se com os companheiros de destino é já antecipar a festa da chegada. Viajar é já estar chegando em casa. É o que é a Graça. Graça é a glória no exílio, glória que é a Graça na "Pátria".
Rechaçar o trem, perturbar a viagem dos outros, correr ilusoriamente contra a direção do trem, é viver uma frustração. Mas de nada adianta. O trem suporta e carrega também estes frustrados, com toda paciência e bondade.
A vida , como a Graça, é generosa para com todos. Ela, de tempos em tempos, entrega a sua verdade secreta. Ela nos faz cair na realidade. Nesse momento _ e sempre há o momento propício para cada pessoa humana _ O recalcitrante cai em si, percebe então que é carregado gentil e gratuitamente. De nada adianta sua resistência e revolta. O trem o carrega de todos os modos. O mais razoável é escutar o chamado de sua natureza e deixar-se reduzir pela oportunidade de uma viagem feliz.
Neste momento desfaz-se o inferno dentro dele e irrompe gloriosamente o céu, a graça humanitária de Deus. Descobre a gratuidade do trem, de todas as coisas, da Graça e de Deus. Entrega-se à aventura com Deus que não conhece fim. É a salvação final. E tu leitor e leitora visitante deste blogger, como viajas? (Adaptação do livro "Graça Libertadora do Mundo!"de Leonardo Boff).

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Um girassol diante da riqueza que é o ser humano!

Quando a teologia assumia o papel de ideologia dominante de uma sociedade, ela pretendia apresentar uma visão completa do homem e do seu lugar no mundo. À medida que surgiam novas ciências do homem, novos descobrimentos e novos conceitos, a teologia procurava integrá-los na sua síntese. Se ela não tivesse sido capaz de sintetizar todos os conhecimentos, ela teria deixado de ser capaz de orientar a sociedade. Mesmo depois de terem perdido de fato o controle da sociedade ocidental, os teólogos continuaram ainda durante várias gerações a idealizar uma visão total do homem, capaz de oferecer pelo menos o equivalente das grandes ideologias que ambicionavam a conquista intelectual do mundo.
Desde o momento que a teologia faz a opção pelos pobres, fica claro que ela abandona o projeto de fornecer a uma sociedade a ideologia que vai orientar a sua classe dominante. Sempre haverá ideologias e visões globais do mundo e do homem para orientar as sociedades políticas, as culturas e as civilizações. A teologia cristã desiste desse papel. Na América latina ela o exerceu durante várias gerações depois da ruína dos impérios coloniais. Manteve uma nostalgia desse papel durante várias gerações depois da ruína destes mesmos impérios. Depois de Medellín e Puebla ela renunciou, pelo menos oficialmente.
A teologia não assume também o papel de ser uma síntese ou uma enciclopédia das ciências humanas. Esta seria uma tarefa impossível e vã em que os teólogos perderiam a sua identidade sem proveito nenhum.
A teologia nem sequer pode assumir o papel de teoria geral da libertação da humanidade. Em primeiro lugar não pode existir teoria semelhante que já traria em si as sementes de dominações futuras. Em segundo lugar nem o cristianismo, nem a Igreja, nem a teologia tem uma missão dentro da libertação da humanidade e a serviço dela; mas Deus não lhes confiou a missão de planejar, liderar, conduzir como num processo único ou sintético. Esta foi, dizem os críticos, a tentação própria da Igreja do Ocidente, a que motivou os protestos tanto dos orientais como dos reformadores do século XVI, dos seus precursores medievais e dos seus sucessores modernos.
O que é que o cristianismo oferece para a libertação da humanidade? Em primeiro lugar, não uma doutrina, uma concepção da vida ou um plano do mundo, mas homens e mulheres concretos reunidos em comunidades. A contribuição do cristianismo são as comunidades cristãs espalhadas pelo mundo. Por isso é falsa a tese de que Jesus não quis comunidades, mas o reino... O reino meus caros, são as comunidades em ação...
Essas comunidades são Jesus Cristo no meio de nós. Se Jesus fosse apenas uma pessoa do passado, ele traria à humanidade alguns exemplos, alguns conceitos, algo semelhante à contribuição dos fundadores das grandes religiões. Ora, Jesus Cristo torna-se presente e multiplica-se pelo mundo inteiro pela presença das comunidades cristãs que reunem-se ao redor da mesa. Estas trazem algo novo, algo específico que é a sua ação que chamamos de reino. O agir das comunidades cristãs no meio do mundo é a contribuição cristã à libertação. As doutrinas, as idéias, os temas cristãos somente contribuem na medida em que o agir das comunidades lhes dá um conteúdo concreto. Por isso mesmo a primeira referência de todos os conceitos antropológicos cristãos é a vivência ao redor da mesa das comunidades cristãs. A própria Bíblia somente traz um conteúdo histórico real se ela vive pelo agir ao redor da mesa das comunidades concretas.
O agir a partir da plataforma da mesa das comunidades chama-se "evangelização": este é o dado antropológico novo que contém a parte do cristianismo na libertação da humanidade.
A evangelização do resgate do Evangelho da Vida traz aos homens uma verdade sobre si próprio. Como dizia Puebla, é missão das comunidades cristãs trazer uma verdade sobre o homem. Esta verdade não é uma doutrina, um ensinamento, um conjunto de conceitos. A verdade é uma força que denuncia e destrói a cultura de morte e a mentira, a verdade é o nascer da realidade nova, ou seja uma vida segundo o espírito do Cristo Ressuscitado. Pela sua ação as comunidades fazem com que possa nascer a realidade da humanidade, uma realidade nova: A realidade da mesa partilhada! Entretanto, vamos juntos nesta missão continental resgatar o Evangelho da Vida!(adaptação do pensamento eclesiológico e antropológico de José Comblin).

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Timbaúba (Poema canção de Damasceno Penna feita em 1980)

Eu conheci uma cidade de nome Timbaúba/era uma flor miúda que Nordeste brotou/
Timbaúba, Timbaúba, minha Timbaúba uma flor miúda... bis/
Timbaúba és a minha terra querida/ que jamais esqueci na minha partida/
Timbaúba és a Princesa Serrana/ filha da zona da mata que tanto te ama/
Timbaúba és quem rezas por nós/ descendentes da velha vila de Mocós/
Timbaúba é "Capibaribe Mirim"/ o sorriso da tua gente guardo dentro de mim/
Maria das Dores está na Capela/ e Terezinha no alto da serra/
O Cruzeiro é o velho dos morros/ Independência a caçula do povo/
O sapato de couro é a arte do povo/ operários que lutam em busca do novo/
Minha terra é cercada de serras/ num panorama que abraça as estrelas da terra/
Timbaúba, Timbaúba, minha Timbaúba uma flor miúda...bis/
Minha terra és de muitas palmeiras/ mamãe natureza nunca te deixou/
Minha terra és de Santa Maria/ quando brilha o dia nos dá alegria/
Minha terra é de tanta beleza/ por tua grandeza devemos lutar/
Minha terra és de tantas Marias/ hoje é o teu dia Ave Maria!/
O teu manto tem cheiro de cana-de-açúcar/ a seda que teces embeleza as viúvas/
Na rede da terra descansa o João/ no chão da Matriz monsenhor nosso irmão/
Timbaúba, Timbaúba, minha Timbaúba uma flor miúda...bis/
Teus filhos desfilam de carro num corso/ tradição que revive a folia de um povo/
São jornais, são revistas as recordações/ de "Um sábado em trinta" nas revoluções.../
O discurso político na boca do povo/ o morro aproveita e pede socorro/
Procissões e promessas nas ruas centrais/ eu aplaudo este povo de sonhos reais/
São canções e poetas, teatro de graça/ teu artista já cresce suando na raça/
E também recordo os teus bons cinemas/ as paqueras da praça e as lindas pequenas/
Timbaúba, Timbaúba, minha Timbaúba uma flor miúda...bis/
A "Pé de Cará" faz presente o Natal/ e a linda "Euterpina" um bom carnaval/
São blocos de frevos e alguns guarda-chuvas/ reveillons que começam muitas noites de festas/
Não lembro de tudo, mas lembro: toureiros/, ciganas e virgens, arco-íris e morcegos/
Índios e bois nos maracatús/ escolas de sambas no alto da Cruz/
Timbaúba, Timbaúba, minha Timbaúba uma flor miúda...bis/
Não lembro de tudo, mas do futebol/ o JET no campo, um padre apitou.../
Não lembro de tudo, mas lembro a infância/ mulheres no rio lavando suas roupas/
Violões e serestas, amigos na praça/ contando piadas, memórias passadas/
Lembranças da escola... São mestres que passam/ professoras e tias do meu coração/
Timbaúba, Timbaúba, minha Timbaúba uma flor miúda...bis/
Acordo assustado num sonho confuso/ do medo que tinha, do outro lado da linha/
O mundo esquecido que nunca passei.../ Timbaúba é assim preciosa pra mim/
Não lembro de tudo, mas lembro das latas/ chafariz, muitas filas, mulheres e lágrimas/
Minha mãe, minha avó, subindo a ladeira/ mesmo assim nossas vidas eram cheias de sonhos/
Timbaúba, Timbaúba, minha Timbaúba uma flor miúda...
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Uma singela homenagem a um grande amor: Minha querida Princesa Serrana!

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Dom Helder, Pastor e Profeta

Neste 2009, o Brasil celebra o centenário do nascimento de dom Helder Pessoa Câmara, arcebispo emérito de Olinda e Recife, aquele que talvez tenha sido a voz brasileira mais conhecida no exterior. Junto com dom Paulo Evaristo Arns, dom Helder, por conta de sua inspiração e coragem, foi uma das personalidades mais temidas pela ditadura...
Tive oportunidade de conviver com ele quando lutávamos para estabelecer o movimento de cursilhos em João Pessoa (PB), em 1981. Foi um privilégio posterior ouvi-lo pregar, quando, em 1982, animou um ultreya dos cursilhistas. Tal como se estivessem diante de um apóstolo ou um santo Antônio, as pessoas paravam, largavam o que estavam fazendo, para ouvi-lo falar. No dia da ultreya, o guarda abandonou o controle do trânsito da esquina e entrou timidamente no salão das irmãs doroteias para escutar o pregador.
O prelado era homem corajoso e objetivo. É dele uma frase lapidar: "Se ajudo os pobres, me chamam de profeta; se pergunto por que existe pobreza, me tacham de comunista". Certa vez, eu viajava de João Pessoa para São Paulo. O avião fez escala no Recife, onde dom Helder embarcou. Os passageiros se levantaram e aplaudiram aquele homem idoso e sorridente, em sua característica batina cinza.
Dom Helder foi um injustiçado na vida e na morte. Enquanto o piloto Ayrton Senna e o cantor Leonardo, entre outros menos notáveis, tiveram pompas fúnebres de celebridades, ele teve um funeral modesto, aliás, digno de um homem humilde. Por sua coragem profética, capaz de denunciar as injustiças sem medo, foi perseguido. Foi chamado, pelos corifeus da ditadura, de "arcebispo vermelho". Em 1972, esteve cotado para receber o Prêmio Nobel da Paz. Os generais, pessoas altamente "esclarecidas", mexeram os pauzinhos para que ele não recebesse a comenda. Seria o único Nobel outorgado, até hoje, a um brasileiro. No âmbito religioso oficial, dom Helder também poderia ter sido mais valorizado. Por que, por exemplo, nunca o fizeram cardeal?
Certa vez, ligou para um empresário, pedindo emprego para um irmão seu. Dias depois, o homem de negócios dá o retorno: "Tudo certo dom Helder, o rapaz já está trabalhando. Só não precisava dizer que ele era seu irmão. O senhor é Câmara e ele é Silva. Além disso, o senhor é branco e ele, negro!"Como o bispo insistisse na tese da irmandade, o dono da firma observou: "Pode ser seu irmão por parte de Adão e Eva, mas não é seu irmão de sangue!. A sentença do velho profeta é antológica: "Mas como não? Ele é meu irmão, e irmão de sangue, sim! E o generoso sangue de nosso Senhor Jesus Cristo derramado na cruz, não nos torna irmãos de sangue a todos?"
Solidariedade não dá ibope. Por causa do filtro ideológico imposto à mídia da época, a maioria dos atos de dom Helder nunca teve ampla divulgação nacional. Dessa forma, apenas uma parcela pequena da sociedade soube o que ele fez pelos pobres e oprimidos. Com sua morte, aos 90 anos, em 1999, perdemos um grande cristão nesta dimensão, mas ganhamos um intercessor junto a Deus. Esperamos que sua santidade seja um dia reconhecida oficialmente pela Igreja. (De um Artigo de Antonio Mesquita Galvão na revista Vida Pastoral/ Setembro-outubro de 2009 - ano 50- n. 268)