Caso pensem que vamos contá-lo, estão é muito enganados. Mas vamos falar sobre ele, sobre sua importância na vida. Pois a vida de cada um, a irrepetível e inominável, fica sempre contida dentro de um segredo secreto, inefável e talvez inimaginável. Ele se torna núcleo da personalidade, seu mistério central, seja qual for a personalidade. A pessoa gira em torno de seu segredo, tecendo voltas e mais voltas, como se ela fosse o eixo de um carretel de linha, a espessura sempre mais se alargando pela vida afora.
Ter um segredo é ser como uma concha que tem dentro de si uma pérola. É certo que a pérola se forma a partir de um grão de areia ou qualquer outra coisa que fica presa dentro da ostra... Esse grão de areia ou pequena coisa torna-se a doença da ostra, e esta, ao mesmo tempo, a cultiva e se dela defende, mas não a expulsa para fora, a fim de se libertar de seu secreto incômodo que, exatamente por ser incômodo, torna-se alvo contínuo de um bombardeio de substâncias que vão lhe dando corpo, transformando-o pouco a pouco, na lentidão do ataque e da luta, em tesouro precioso. Aquilo que era doença se transforma em vida e tesouro. É grande a diferença entre a ostra doente e a ostra sadia. A doente elabora o tesouro precioso, a sadia apenas serve de alimento para restaurantes chiques de coisas do mar. E agora, diante deste dilema como nos sentimos? Ostras sadias ou doentes?
O segredo é, portanto, uma coisa qualquer em seu início, um grão de areia talvez. Mas, com o tempo, com a contínua circunvolução em torno dele, ele se torna o centro que polariza toda uma vida e enrola toda uma história. Uma vida é uma história toda particular, própria só daquele indivíduo, pois não há dois grãos de areia semelhantes, assim como não há duas pequenas coisas inteiramente semelhantes. Também não há duas doenças-pérola completamente iguais. Cada ostra com sua pérola, cada pessoa com seu segredo. É o que salva e dá sentido a uma vida inteira, fazendo com que a pessoa viva as mesmas coisas que as outras, mas de sua forma particular, a partir de sua pérola doença irrepetível e insubstituível.
O essencial, porém, é manter segredo sobre o próprio segredo. Alguém disse que certas coisas podem ser contadas a todas as pessoas, outras somente a um pequeno círculo, outras ainda só a um amigo comprovado. O ideal é que o segredo mais particular seja secreto até mesmo para a pessoa que o carrega. Contá-lo a si própria, ou até admití-lo dentro de si mesma poderia provocar sua própria incompreensão ou banalização. Há coisas de que a própria pessoa suspeita, mas deve permanecer na suspeita e no pressentimento, sem confessá-las a si própria. Do contrário, até mesmo ela poderia interferir no segredo sagrado, pondo a perder a própria pérola, livrando-se da doença, é claro, mas ficando então de tal modo desamparda que ela própria perderia a possibilidade de cair em si mesma, caindo agora num vazio tão escuro que até tateável seria. Ficaria tão perdida, quanto uma pequena quantidade de ar que estoura-se numa simples bolha de sabão que se dispersa no meio do grande ar que ainda lhe cerca. Perdido o segredo-doença-pérola a pessoa se desvaneceria e se tornaria um zero qualquer, atrás de algum outro número, mas fatalmente se perderia como unidade em si própria, mesmo que em si mesma fosse às vezes um segredo tão simples, comum e banal que qualquer outra pessoa, com perplexidade, poderia dizer: "Mas isso? Vale a pena manter um segredo?!".
Sim, o segredo é importante só para a pessoa que o guarda e que zela por ele dia e noite, e o rega como planta que cresce e se desenvolve e se torna vida e produz fruto, tudo por causa de uma coisa importante só pra ela e que ela mantém em segredo. Ele, no fundo, é sua razão de ser.
A pessoa com um segredo é uma pessoa salva, redimida pela própria fortuna de ser o que ela é, mesmo que não seja mais que uma doença sadia, a doença de simplesmente ser, muitas vezes sem ao menos saber o que ela é. Entretanto, trata-se de alguém que encontra seu lugar e seu afazer principal e seu sentido vital em ser secretamente uma pessoa que se resume num mistério misterioso para si mesma. Mas é daí que provém toda a força para aguentar o anonimato sem dele fazer parte. Podem existir milhões de "Antonios" e de "Marias", mas o Antonio ou uma Maria particulares, com secreto sentido em si mesmos, salvando-se continuamente de se diluir como uma gota num oceano de gotas inteiramente iguais. Porque a perdição é ser ninguém, e ser ninguém é ser alguém sem nenhum segredo. Foi por isso, que o nosso Grande Deus da Vida colocou um grande segredo do coração da gente!
O verdadeiro nome de uma pessoa, portanto, é seu segredo, e não o nome que ela recebe na certidão de nascimento. Este é apenas um número, um rótulo, um código de barra com data marcada. Mas entrar na verdadeira existência e começar a viver só acontece a partir do momento em que o segredo se instala no centro da pessoa, polarizando todos os seus momentos e dias em torno de um secreto centro, invisível, mas no entanto tão palpável que até mesmo os próprios erros cometidos se investem de sentido e contribuem para um destino do qual não se advinha sequer o próximo passo. Todavia, dá-se o próximo passo e, com certa perplexidade, acaba-se descobrindo, no futuro, ao olhar para o passado e seus fantasmas, que aquele passo, certo ou errado _ como costumam dizer _ era um passo que já estava planejado na latência do segredo do Coração Maior: Deus!
Por fim, acaba-se descobrindo, ou às vezes não, que não é a gente que tem o segredo. É o segredo que nos possui e nos usa para realizar-se secretamente e tornar-se, mas tornar-se o quê? Aí descobrimos que nosso pequeno segredo está a serviço de um Grande Segredo, e que não somos um segredo isolado, porém um segredo que forma parte de um todo maior, tão maior que não vemos sequer seus contornos, mas só aquilo que está mais perto de nós, só o essencial para podermos dar o próximo passo, e depois um outro e outro... É verdade que as filosofias e as religiões tentam de todos os modos mostrar os contornos do Grande Segredo, chamando-o de SER ou de DEUS, mas Ele está além de qualquer filosofia e religião, mantendo-se sempre em silêncio, como puro e desafiador Mistério. Podemos sentir em todos os modos este Mistério, mas não conseguimos conceituá-lo ou sequer imaginá-lo. Ele ultrapassa nossos conceitos e imaginação, para simplesmente ser o misterioso centro sem periferia onde toda a Vida acontece, inclusive nossa pequena e mortal, porém, eternamente vencida pela ressurreição iniciada no "já aqui agora" de nossa história humana.
Então é isso a Vida? Pois é. A Vida é, afinal, o segredo de si mesma. E nós também: a vida de cada um é o segredo de si mesmo, num conjunto tão incomensuravelmente vasto que arriscamos a cada momento cair fundo sem fundo do precipício do próprio Ser. Mas o nosso pessoal segredo nos salva, ainda que nos salve apenas para dar o próximo passo na escuridão brutal, só momentânea e fracamente iluminada pela secreta luz que levamos dentro de nós. Todavia, enquanto mantivermos secreto o segredo, poderemos caminhar, abrindo o caminho à medida que caminhamos almejando o banquete festivo de nossa mais tão próxima e almejada Terra sem Males... Bom apetide para todos na intimidade deste singelo segredo! Do livro: "Presentimentos e Suspeitas" de Ivo Storniolo, PAULLUS,2001.
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