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domingo, 26 de julho de 2009

Um girassol e o mistério de uma ilha qualquer!

Rubens Alves costuma repetir em seus muitos livros, uma maravilhosa história de Gabriel Garcia Marques, o grande romancista espanhol:
É sobre uma vila de pescadores, perdida em um nenhum lugar/todo lugar, o enfado misturado no ar, cada novo dia já nascendo velho, igual a todos os outros, as mesmas palavras ocas, os mesmos gestos vazios, os mesmos corpos opacos, a excitação do amor sendo algo de que ninguém mais se lembrava...
Aconteceu que, num dia como todos os outros, um menino viu uma forma estranha flutuando longe no mar. E ele gritou. Todos correram. Num lugar tão pacato como aquele até uma forma estranha é motivo de festa. E ali ficaram na praia, olhando, esperando. Até que o mar, sem pressa, trouxe a coisa e a colocou na areia, para o desapontamento de todos: era um homem morto.
Todos os homens mortos são parecidos porque apenas há uma coisa a se fazer com eles: enterrar. E naquela vila o costume era que as mulheres preparassem os mortos para o sepultamento. Assim, carregaram o cadáver para uma casa, as mulheres dentro, os homens fora. E o silêncio era grande enquanto o limpavam das algas e liquens, mortalhas verdes do mar.
Mas, repentinamente, uma voz quebrou o silêncio. Uma mulher balbuciou: "Se ele tivesse vivido entre nós, ele teria de ter curvado a cabeça sempre ao entrar em nossas casas. Ele é muito alto...".
Todas as mulheres, sérias e silenciosas, fizeram sim com a cabeça.
E de novo o silêncio foi profundo, até que outra voz foi ouvida. Outra mulher... "Fico pensando em como teria sido a sua voz... Como o sussurro da brisa? Como o trovão das ondas? Será que ele conhecia aquela palavra secreta que, quando pronunciada, faz com que uma mulher apanhe uma flor e a coloque no cabelo?".
E elas sorriram e olharam uma para as outras.
De novo o silêncio. E, de novo, a voz de outra mulher... "Essas mãos.... Como são grandes! Que será que em si fizeram? Brincaram com crianças? Navegaram mares/ Travaram batalhas? Construíram casas? Essas mãos: será que elas sabiam deslizar sobre o rosto de uma mulher, será que elas sabiam abraçar e acariciar o seu corpo?".
Aí todas elas riram que riram, suas faces vermelhas, e as surpreenderam ao perceber que o enterro em si estava se transformando numa ressurreição: um movimento nas suas carnes, sonhos esquecidos, que pensavam mortos, retornava, cinzas virando fogo, desejos proibidos aparecendo na superfície de sua pele, os corpos vivos de novo e os rostos opacos brilhando com a luz da alegria.
Os maridos, de fora, observavam o que estava acontecendo com as mulheres e ficaram com ciúmes do afogado, ao perceberem que ele tinha um poder que eles mesmos não tinham mais. E pensaram nos sonhos que nunca haviam tido (bem disse Fernando Pessoa: "Os sonhos por haver é que são o cadáver..."), nos poemas que nunca haviam escritos, nos mares que nunca tinham navegado, nas mulheres que nunca haviam desejado.
A história termina dizendo que finalmente enterraram o morto.
Mas, aquela aldeia nunca mais foi a mesma.
Diz Octávio Paz que a resposta a um poema não é uma explicação-interpretação. A resposta a um poema é outro poema. Não nos atrevemos a interpretar essa história. Digamos apenas que ela é a metáfora mais bela que conhecemos para o mistério de Jesus Cristo: um morto desconhecido. Tão desconhecido que o falatório sobre Ele não tem fim, mesmo depois de dois mil anos. Há cerca de duzentos anos, os cientistas iluministas fazem investigações para saber como Ele relamente foi, aquilo que Ele realmente disse. Procuram a história por detrás da estória. Mas não é na história que se esconde o seu poder. A história é o tempo do 'nunca mais'. Nela moram os mortos. Nas estórias mora a vida com suas ressurreições. Foi no vazio silencioso do afogado, no 'não saber', que os sonhos mortos ressuscitaram e as mulheres voltaram à vida. As ressurreições acontecem pelo poder do que não é. "Que seria de nós sem o socorro das coisas que não existem?", exclamou Paul Valéry. E Riboaldo respondeu: "Deus existe mesmo quando não há". Esta Páscoa me deixou triste. A Adélia disse, num poema: "Medo eu tinha era de não haver mistério". Minha tristeza foi por isso. Os mistérios se foram. A estória não é mais contada. As ressurreições estão ficando cada vez mais raras... É meu caro girassol... Como vai mesmo o mistério de seu jardim?

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